Gastronomia

2024-03-14

Alhos, coentros e sal. Também se faz com poejo. Sai uma açorda

 Dizer-se que a açorda é um prato simples e minimalista é não priorizar a ancestral idade da origem deste prato, em função do número reduzido de produtos de que é composto, na sua receita original

TEXTO | Manuel Inácio Pereira
FOTOS | D.R.
 
   Parece ser inquestionável que a sua origem provêm da presença árabe no nosso país, em especial está claro, mais a sul de Portugal, onde após pesquisas se encontrou em tratados de cozinha árabe a designação de Tarid [thari:d] ou Tarida, que na língua árabe, quer dizer pão migado, ao qual se juntava alho, coentros e água quente. Nasceu por necessidade e carência, fruto do engenho dos povos que habitavam a região Alentejo, que do pouco que havia disponível, à data, fizeram muito para proveito próprio e como forma de subsistir.

   Correu séculos este caldo quente, aromatizado com uma 'pitada' de ingredientes; e assim nascia a única refeição do dia, noutros tempos, para homens e mulheres que trabalhavam por essas planícies fora. Hoje o prato tem outra conotação, coisa que nos seus primórdios não existia, pois até era rotulado como «a comida dos pobres», tal a ruralidade que se lhe atribuía.

   Consumido durante grande parte do ano, diz-se que o «escaldar do pão» sabe melhor nos dias de baixa temperatura exterior, pois as «sopas têm melhor sabor e não agastam», ouvimos retorquir à população alentejana de avançada idade, a quem basta recordar o quanto isso lhe trouxe agrado.

   Da confecção original – açorda de alho, há que dizê-lo, que basta aromar o prato com coentros ou poejos, (se levar os dois terá um sabor mais intenso), juntar alhos pisados com sal grosso e condimentá-lo com azeite (a isto o povo chama de 'piso'); é adicionar água a ferver e dá-lhe a forte consistência, as fatias ou bocados de pão de trigo 'migados', de preferência caseiro e duro (tendo vários dias de confeccionado).

   Mais tarde, no voltar dos tempos, à icónica receita outrora campestre e aqui já servida na casa de feitores e senhorios, aglutinou-se outros produtos comestíveis: tais como ovos, bacalhau e pescada cozida. Acresce também o uso de azeitonas (a)retalhadas, sardinhas assadas, queijos moles e figos; no tempo deles... como complementos harmoniosos da refeição.

 
 Hoje a açorda é prato nobre, consta dos mais célebres cardápios de afamados restaurantes, produto turístico da gastronomia típica alentejana e, sempre em constante inovação na progressiva nova cozinha dos chefs.

   Sabe-se que na região do Baixo Alentejo existem açordas 'para todos os gostos' (basta juntar pão fatiado ao prato) e, do justapor outros ingredientes; são eles a alface, as beldroegas, o tomate, o cação, as favas, os espinafres, o peixe do rio, a salsa e cebola se faz outra açorda. Depois há ainda as açordas personalizadas, como aquela(s) à pastor(a), à caçador(a) e à pescador(a) – marisco - cujo toque especial a gosto é dado pel(o/a)s própri(o/a)s e que não desiludem na prova.

   Porém fica a certeza de que o elemento fulcral de todas elas é o pão, o pilar estruturante da nossa alimentação e a sua aplicação enquanto sopa, serve unicamente para aproveitamento e consumo integral deste elemento produzido da cozedura do misto de farinha e água.

   A rematar a 'peça' apetece trautear a referência que este prato tem no Cancioneiro Popular: «(...)Está pronta, vamos comer/ É fácil fazer/Dá pouco trabalho/É água a ferver/Coentros e alho(...)»
— É 'a'provar!...

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