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2023-05-10

A guerra destruiu-lhe a vida. Mas a música salvou-a

Lana Tryhub é ucraniana e cantora desde que se lembra. Assumia o cargo de subdirectora de um centro cultural em Poltava até que a guerra lhe «varreu» a vida. Com duas filhas nos braços. Percorreu a Europa até chegar a Badajoz onde a música a «encontrou» e lhe devolveu a esperança. Hoje tenta «recompor a alma». Contou a sua história durante a atribuição do Prémio Carlos V, em Cuacos de Yuste, perante a emoção da plateia que a aplaudiu de pé durante mais de um minuto

TEXTO l Roberto Dores

Refugiada em Badajoz. O momento em que Lana contou a sua história perante olhares atentos 

   O som daquele avião a sobrevoar a cidade de Poltava (próximo de Kharkiv) na madrugada de 24 de Fevereiro de 2022 provocou-lhe um aperto no peito. Eram 05.30. Lana Tryhub era capaz de adivinhar o que estava a acontecer, mas manteve a negação por uns instantes. «Não queria acreditar. O cérebro não aceitava», diz com voz embargada. Minutos depois, confirmava-se o pior dos cenários: Era o início da guerra. As tropas russas acabavam de invadir a Ucrânia. Num estalar de dedos a vida desta jovem mãe (hoje com 34 anos) era «empurrada» para o abismo. 

   Lana Tryhub, na primeira pessoa: «Tinha uma vida maravilhosa. Também tinha casa, carro e um trabalho de sonho», relatou, testemunhando o cansaço que invadiu a família logo na primeira semana de guerra. «Eram muitas notícias e  pensamentos quase sempre sem dormir», sublinhou. 

   O centro cultural onde trabalhava estava agora a funcionar como centro de apoio aos desalojados. «Mas enquanto as minhas mãos ajudavam as pessoas, a minha mente não parava de pensar nas minhas filhas. Como se vive numa guerra? Como vão elas viver com a guerra sem eu estar com elas?», questionava.

O testemunho de Lana Tryhub terminou com emoção e aplausos 

 
   Seguiram-se dias de constantes alarmes. Os que podiam refugiavam-se nos bunkers, mas a família de Lana Tryhub não tinha esse reduto próximo de casa. «Ficávamos no corredor, onde dormíamos muito mal». 

   Passou um mês desde o início do conflito. Juntamente com a irmã (também com um filho), tomou a decisão de viajar para Espanha, onde nunca tinha estado, mas sabia que podia contar com a ajuda de um primo a viver na província de Castellón.
 
António Guterres recebeu Prémio Carlos V da mãos do Rei de Espanha com Ucrânia no horizonte
 
   Na hora da partida era preciso tomar outra decisão: O que levar na mochila? Uma só mochila por pessoa. «O que levas e abandonas? Quantas recordações cabem numa mochila? Onde se guarda a chave de uma casa que não sabes se voltas a abrir?» Dez graus negativos gelavam a noite em que a família esperava para subir ao comboio na fuga à guerra. 

   Lana Tryhub recordou todas as ajudas que recebeu dos voluntários, os transportes que perdeu, as noites em claro, os erros nos documentos que a separaram da irmã. Até aos dias em que quase se afundou na depressão. Já na província de Castellón encontrou paz, mas não via futuro. Sem entender uma palavra de Castelhano, como podia ter alguma perspectiva de trabalho? Da Ucrânia todos os dias chegavam as piores notícias.

   Até que a música se cruzou no seu caminho. Lana fala em «milagre». Um produtor convidou-a para escrever uma canção e devolveu-lhe o ânimo. «Voltei a acreditar que podia sentir-me realizada aqui e ser um exemplo para as minhas filhas», disse, tendo recuperado forças para começar a aprender Espanhol, fazer desporto e cantar em restaurantes.
 
Prioridade à paz na Europa marcou o Prémio Carlos V em Yuste, província de Cáceres

   Entretanto, surgia um novo contratempo. A ONG que a estava a apoiar indicou-lhe que o seu novo destino seria a província de Badajoz, a 800 quilómetros da localidade onde residia com os seus familiares. Era pegar ou largar. Se recusasse, sairia do programa de apoio e ficava entregue a si própria. «Sabia apenas que tinha duas filhas e que tinha que seguir», justificou.

   Mais uma mudança. Mais um risco. Mais uma readaptação. Mas o que iria encontrar em Badajoz foi uma surpresa rumo a uma vida melhor, sempre com a música por aliada. «Os trabalhadores de São João de Deus ajudaram-me com a participação num festival musical onde conheci alguns músicos. Através das redes sociais, o presidente da ONG Músicos sem Fronteiras na Estremadura encontrou-me e convidou-me para cantar com eles», relatou. 
 
   Continuemos a escutar os melhores dias de Lana desde 24 de Fevereiro de 2022: «Graças a eles tenho a oportunidade de ser quem sou. Agora vivo em Badajoz, num apartamento, com as minhas filhas», congratulou-se, cantando em vários concertos e tendo já agenda para os próximos tempos.  
«Se eu consigo, as outras pessoas também conseguem», enfatizou, concluindo assim: «Transformamo-nos numa montanha para protegermos o nosso lar. Juntos, com vocês, definitivamente conseguiremos a paz». Aplausos. Muitos.

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