Notícias

2023-10-18

«ALANDROAL deu um bom exemplo de como se pode poupar água aproveitando a chuva»



GRANDE ENTREVISTA | Filipe Duarte Santos | INVESTIGADOR  

»Especialista em alterações climáticas diz que o ALANDROAL deu um «bom exemplo» ao país, recuperando o antigo método de retenção água da chuva para regar hortas em tempo de seca. Os tempos são de adaptação
 
ENTREVISTA | Roberto Dores
FOTOS | DR
 
   Geofísico, professor universitário, investigador em alterações climáticas, Filipe Duarte Santos alerta para a urgência de nos prepararmos para os fenómenos extremos, que vão ser cada vez mais frequentes. É a olhar para os crescentes desafios que o especialista aplaude uma experiência-piloto no Alandroal, onde a água da chuva ficou retida num depósito para depois ser aplicada na rega de uma horta.

Como é que avalia esta experiência no Alandroal e o que poderá ela ensinar ao país em tempos de escassez de água? 
É um exemplo doméstico que deve ser replicado noutras zonas do país. Ainda bem que se lembraram de recuperar esta ideia que tem séculos. Era isso que se fazia em Portugal na Idade Média e mesmo antes, quando no Sul do país os árabes já faziam isso. Tinham sistemas nas suas casas com terraços, onde colectavam a água da chuva e a aproveitavam para vários usos. 
 
Há um exemplo de alguma zona do Mundo onde esta prática tenha lugar aos dias de hoje?
Faz-se em Singapura, uma ilha com  6 milhões de habitantes, onde os recursos hídricos  são insuficientes para todos. Têm a necessidade de reciclar a água, com sistemas para aproveitamento das chuvas, e aproveitá-la ao máximo. Ao longo da história essa técnica era utilizada e se as pessoas a recuperarem será algo fantástico. Alandroal deu um bom exemplo de como se pode poupar água aproveitando a chuva.

O clima está zangado. «É como se uma pessoa fosse muito enérgica e estivesse a despender muita energia. Isso acontece quando uma pessoa está zangada, em que gesticula, diz disparates e tem um comportamento agressivo. Quando o sistema climático tem mais energia térmica também tem que dissipar essa energia e ocorrem fenómenos extremos».
 
 
Exemplos como o do Alandroal abrem-nos a porta à adaptação dos desafios impostos pelas alterações climáticas e ao, cada vez, maior desígnio de conseguirmos travar o avanço do deserto? 
Claro. Temos a possibilidade de nos adaptarmos a este clima mais seco e mais quente  e encontrarmos novas disponibilidades de água fazendo a reciclagem das águas residuais urbanas, porque a precipitação está a diminuir ao longo dos anos. Estamos a falar de economia circular. Isso até já se faz em Portugal, mas é a uma escala muito reduzida. Cerca de 2 a 3%.

Até onde poderiam essas águas residuais ser aproveitadas?
Teriam muitos usos. Depois de tratadas é seguro utilizar a água para regar e cozinhar. Isso já se faz em algumas partes do mundo. Também tem utilidade na limpeza de estradas municipais ou rega de campos de golfe. Há muito potencial e também há tecnologia  e conhecimento. Não há razão para não se fazer isto em Portugal.

Ainda assim, ouvi-o dizer há dias que estamos confrontados com um clima que está zangado. Isso tem tradução nos fenómenos extremos a que temos assistido?
Tem a ver com o facto de haver mais energia térmica no sistema climático. É como se uma pessoa fosse muito enérgica e estivesse a despender muita energia. Isso acontece quando uma pessoa está zangada, em que gesticula, diz disparates e tem um comportamento agressivo. Quando o sistema climático tem mais energia térmica também tem que dissipar essa energia.

E lá vêm os eventos extremos...
Sim. Falamos de ondas de calor, como as várias que tivemos este Verão, com temperaturas anormalmente elevadas dias seguidos. Mas também falamos  de chuva em quantidades muito elevadas, como tivemos em Dezembro de 2022 e Janeiro deste ano, que resultaram em inundações.

Olhemos para o Alentejo. Como é que esta região se enquadra nestes fenómenos entre o avanço da seca e a rara precipitação?
O Alentejo e  o Sul da Europa sempre tiverem secas. O problema é que agora são mais prolongadas e há uma perigosa tendência de desertificação dos solos. Isso surge quando eles perdem qualidade. Se os solos não tiverem matéria orgânica e não crescer erva, árvores ou plantações, isso provoca uma degradação, com consequência sobre o desenvolvimento social e económico dessas regiões.
 

Artigos Relacionados

« Voltar