2023-12-07

Dormiu junto ao pivô na seara para fotografar abetardas. Mas acordou com tiros

 
Há dias assim na vida de um fotojornalista. Equipamento às costas rumo a uma seara, preparado para passar a noite, mais ou menos, abrigado junto à roda de um pivô de rega. Objectivo? Fotografar a abetarda que poderia por ali aparecer às primeiras horas da manhã. Mas os tiros dos caçadores trocaram-lhe as voltas. O trabalho ficou, irremediavelmente, adiado

TEXTO | Maria Beatriz Dores

   Ricardo Lourenço é fotógrafo de natureza e vida selvagem, com vários trabalhos assinados na National Geographic, mas aquele dia não foi o melhor para justificar a noite mal dormida em plena seara, numa herdade de Alter do Chão. A proprietária até lhe tinha assegurado que poderia estar «tranquilo». Mas não ganhou para ao susto ao som dos disparos.

   «Há trabalhos que não avançam, porque não era naquele momento. Trabalho com uma janela de oportunidade, porque é naquele mês que determinado animal vai cá estar, perante as condições ideias. Mas às vezes não dá», assumiu durante a sua intervenção, que marcou o fim do ciclo de conferências COMUNMEDIA, no Instituto Politécnico de Portalegre, e que contou com a moderação da professora Rosália Rodrigues.

   O dia que «falhou» a abetarda - a maior ave voadora da Europa -  serviu de exemplo para sublinhar como nem todos os trabalhos, mesmo os mais bem programados, resultam em imagens. «Esse tipo de histórias acontecem-me com frequência», contou aos estudantes entre várias abordagens que têm acompanhado a sua vida profissional.

   Revelou algumas das suas fotos, que mostraram desde raposas a víboras cornudas, passando por rolieiros, mochos galegos e lagartos. Não faltaram os linces, com lugar especial na «carteira» do fotojornalista de Portalegre.

   A propósito, viria a «puxar» de uma história que alertou para a importância de se procurar credibilizar o discurso em nome da preservação das espécies, recorrendo a testemunhos de pessoas com ligações a determinadas actividades, mas que tenham adquirido maior sensibilidade para alguns fenómenos. 

   O exemplo citado falou da história de um guarda de caça que matava tudo o que eram animais carnívoros, mas acabou por se afeiçoar a uma lince que por ali aparecia todos os dias. Aos poucos, foi deixando de disparar sobre outros animais e acabou a explicar aos caçadores as vantagens da reintrodução no lince na Península Ibérica para a cinegética. «A mensagem passou de uma forma muito mais forte, do que se fosse um qualquer biólogo ou cientista, porque os caçadores confiaram no que ele lhes contou», resumiu Ricardo Lourenço.
 

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