2022-05-06

ESTREMOZ PUXA PELA OLARIA. «Velhos mestres podem salvar artes tradicionais» 

 
 
TEXTO Roberto Dores
 
O caminho perfila-se em sentido único: a salvaguarda da cerâmica tradicional do Alentejo deve ser «altamente subsidiada» ao nível da aprendizagem, segundo o apelo de Hugo Guerreiro, representante do património na Câmara de Estremoz. E disse ainda mais.«Os velhos mestres é que podem salvar as artes tradicionais», alertando que não devem ficar de parte «para virem rapazes e raparigas de Lisboa ensinar-nos o é que nosso. Algo tem que mudar».

O apelo foi feito esta sexta-feira no seminário sobre a Cerâmica Tradicional do Alentejo, que até sábado decorre na Biblioteca de Estremoz, insistindo Hugo Guerreiro - que representa ainda o Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedade da Universidade de Évora - na importância de se apostar na aprendizagem nas oficinas à boleia dos mestres.

«Sem estarmos preocupados se o mestre tem o CAP (agora designado por CCP, Formação de Formadores). Já não é como no tempo do meu pai, que foi para a serralharia trabalhar de graça quase dez anos para aprender a profissão. Ninguém está para isso, hoje», acrescentou, reiterando que «algo tem que mudar na política de valorização do nosso artesanato tradicional». 




Hugo Guerreiro, à esquerda da mesa, defendeu a aposta nos «velhos mestres»


Caso contrário, insistiu, «dentro de 15 anos teremos duas ou três olarias tradicionais a funcionar em todo o Alentejo», lamentando que aos dias de hoje haja «zero aprendizes».

Hugo Guerreiro pegou no exemplo dos bonecos de Estremoz para sublinhar a mais-valia do selo da UNESCO, após um trabalho desenvolvido ao longo de uma década, para defender que «se houver políticas públicas certas, adequadas e trabalhadas com artesãos», será possível salvaguardar esta arte, disse, insistindo que «não há material melhor do que a terra em termos ambientais» para corresponder à Agenda 2030.

«É a olaria que vai substituir o latão, o metal e o plástico. Estamos preocupados em meter as garrafinhas de plástico no seu sítio, quando a olaria não precisa porque é terra», acrescentou. 
 
«Jovens perceberam 
que o futuro não está 
nas grandes cidades 
e querem regressar 
às origens» 
 
 
E sobre a resposta que o mercado poderá dar na viabilização desta arte? Resposta de Maria Filomena Gonçalves, titular da Cátedra UNESCO em Património Imaterial e Saber-fazer Tradicional Interligar Patrimónios: «Há pessoas para todas estas formas de manifestação. Desde a mais tradicional na pequena olaria».

A mesma responsável admitiu que vai ser necessário «algum tipo de apoio e também uma formação no sentido de ganhar uma visão um pouco mais empresarial para que o negócio sobreviva».

Isto numa altura em que os números oficiais indicam que há 11% de licenciados a trabalhar na arte da cerâmica. Maria Filomena Gonçalves fala de «revolução das mentalidades», registando-se um novo fenómeno.

«Não me causa estranheza que algumas pessoas já tenham uma formação diferenciada. Os jovens estão a voltar à terra e querem regressar um pouco às origens e abraçar esse tipo de actividade. Já perceberam que o futuro não está nas grandes cidades e está noutro centros. É possível hoje reunir o mundo digital e artesanato», acrescentou.
 
«São artistas
que temos connosco.
É arte pura»
 
 
Para o presidente da Câmara de Estremoz, José Daniel Sádio, a olaria precisa de encontrar o seu caminho para crescer, admitindo que um novo regime jurídico de protecção poderia abrir a porta a uma excepção habilitada a garantir a auto-suficiência destas artes.

Admitiu o autarca que tanto o poder central como as autarquias deverão encarar a olaria e artesanato «com muito apreço e consideração, porque são artistas que temos connosco. É arte pura e temos a obrigação de garantir, não só que ela se mantenha, como persista e tenha a sua sustentabilidade.»

José Daniel Sádio admitiu que o «caminho é grande», mas também recorreu ao exemplo do sucesso da barrística de Estremoz após a classificação da Unesco.
 

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