2023-08-12

José Clareu, a voz que dá o ponto nas procissões do Rosário

«Gosto muito de cantar. Como sabem que canto sempre nas procissões, assim que chego, dão-me logo um papel com as letras», revela este morador do Rosário, no concelho do Alandroal
 
TEXTO l Roberto Dores
 
   A pergunta é feita por alguém logo à saída da procissão em honra da Nossa Senhora do Rosário. «Qual é a ordem dos cânticos?» Sai a indicação de que se deve começar pelo 13 de Maio. A mensagem chega à frente do cortejo. Nós estamos bem cá atrás, mas conseguimos ouvir uma voz que se ergue. Não, não tem megafone, mas é suficiente para dar uma espécie de ponto, que põe todos a cantar até à entrada da Banda do Centro Cultural do Alandroal, que acompanha o cortejo.

 
   Puxamos à frente e encontramos o «dono da voz». É José Clareu (na foto de capa), nascido e criado na freguesia do Rosário, com uma vida ligada às pedreiras. Está à beira de completar 70 anos, mas nem o calor já intenso que aquece esta manhã o desanima de acompanhar a procissão da sua terra, entoando mais cânticos à medida da tradição.

   «Gostava de cantar num tom mais alto. Este é baixo para mim e, às vezes, engasgo-me. Mas tem que ser assim, para dar para todos. Muitas vezes as pessoas têm vergonha de começar e eu dou a ajuda», explica-nos orgulhoso por ver como a população continua a sair à rua para participar no cortejo religioso.

   Já nos tínhamos conhecido minutos antes em plena igreja. Aliás, fomos os primeiros a chegar ao recinto, juntamente com o padre Daniel Jamba e Inês Silva, acompanhada do marido. Batem as 10.00 horas e não aparece mais ninguém para a procissão. Estranho para quem está ali pela primeira vez. 

   Mas os fiéis não tardam em chegar, quase num estalar de dedos. Foi o tempo de José Clareu e Inês Silva irem depositar duas velas. «Não venho pedir nada de especial. É a minha fé que me leva a fazer isto desde que me conheço. Estas festas sem a procissão não eram nada», justifica Inês. 

   Agora a igreja está quase cheia e já chegou a banda, que aguarda lá fora. Passam uns 10 minutos da hora marcada, mas há três andores para transportar e faltam ombros disponíveis. Tiago Códices é o presidente da Comissão de Festas da Nossa Senhora do Rosário e esmera-se para conseguir mais apoios. A Senhora do Rosário e a Senhora da Conceição já têm colaboradores, mas para o Santo António ainda só se arranjaram três e faz falta um quarto elemento. 

Inês Silva voltou a cumprir a tradição que segue desde criança
 
   Tiago Códices ouve algumas negas, mas insiste até conseguir. E consegue. «A força de vontade bate tudo, amigo. Quando nós temos fé e força de vontade nada nos demove. Para a frente é que é o caminho», diz, enquanto segura o pendão com a padroeira.

Tiago Códices, presidente da Comissão de Festas, transportou o pendão
 

   Um dos convidados que recusou transportar o andor justifica que está «muito calor» e que «já tinha ajudado em anos anteriores. Há aí mais gente que pode levar, para não serem sempre os mesmos». Mas vai acompanhar a procissão.

   A banda toca em ritmo alegre para dar as boas-vindas à Senhora do Rosário à saída da igreja, que fica a uns 200 ou 300 metros do casario. A procissão avança rumo às principais ruas da terra, onde estão habitantes à espera para a verem passar. 

 
   Há quem se emocione. Uma idosa sentada à porta da sua casa alega que está doente e não conseguiu marcar presença pela primeira vez. «Estou triste por isso, mas ao mesmo tempo estou feliz, porque vejo que os nossos jovens não deixam morrer as nossas festas», congratula-se, tendo arriscado a pôr o neto de seis anos a filmar o momento com recurso ao telemóvel.

   
E o padre Daniel Jamba não esqueceu estes casos. Pediu pelos doentes, pela população, pelos filhos, pais e netos. Pela agricultura. Mas enalteceu a importância de se manterem tradições como aquela a que hoje se assistiu no Rosário. «O que os vossos pais viveram deve ser passado aos vossos filhos». Está dito.
 

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