Notícias

2023-03-11

«Olha, afinal, o peixe do rio não tem espinhas. Sabe assim... bem»

De bandeja nas mãos, a pequena Beatriz entra plena de sorrisos na cantina da Escola Básica Diogo Lopes de Sequeira, no Alandroal. O almoço tem um aliciante. É dia dos alunos provarem peixe do rio. Beatriz é mesmo uma estreante nestas iguarias. No prato exibe um filete de lúcio perca frito, ao lado de dois rissóis de pescada, acompanhados com arroz de ervilhas. Já provou o peixe das águas de Alqueva e prepara-se para dar o veredicto
 
TEXTO l Roberto Dores

 
   Gostou? Responde afirmativamente com a cabeça a uma professora, enquanto dá mais uma garfada no lúcio perca para reforçar o sentido da avaliação. «Olha, afinal, o peixe do rio não tem espinhas. Sabe assim... bem. É mesmo bom», atesta convencida a aluna, enquanto os colegas, que também não conheciam, vão corroborando da sua opinião. Foram poucos os que não ousaram provar e se ficaram pelos rissóis. Talvez para a próxima.

   Porém, segundo Martim, fizeram mal. Tem 11 anos e revela que na sua casa o peixe do rio vai frequentemente à mesa. «Compramos às pessoas que vendem na vila, praticamente, durante todo o ano», conta-nos, enquanto vai comendo o lúcio perca, que avalia como «excelente», mas admite que «a carpa ainda é melhor». 


   Martim aproveita para elogiar também as qualidades da ´caldeta´ - apesar de hoje não ser dia dela - «seja com peixe cozido lá dentro ou frito cá fora», assume. «O peixe, antes de amanhado, é que pode parecer estranho para algumas pessoas, mas se os meus colegas provassem iam gostar. É uma questão de hábito», enfatiza.

   E o director do agrupamento de escolas, Tomé Laranjinho, confirma a «certeza» de Martim. «O paladar educa-se», sublinha o responsável que estabeleceu a parceria com a Câmara do Alandroal para abrir as portas da escola à entrada do lúcio perca, bagre e carpa. 

   O projecto integrou o Festival do Peixe do Rio e contou com a presença do chefe José Júlio Vintém ao lado das cozinheiras do estabelecimento de ensino que prepararam esta espécie de degustação para os alunos.  

   «Estamos a verificar que há adesão dos alunos ao peixe do rio, até porque muitos deles pertencem a famílias com forte ligação ao Guadiana. Vamos ver se é para manter», acrescenta Tomé Laranjinho, para quem «é possível» que a ementa escolar comece a ter peixe de Alqueva para os almoços. «Pelo menos quinzenalmente ou de três em três semanas»,  diz.
 
   
   À medida que uns alunos saem e outros entram na cantina, José Júlio Vintém lança o desafio, exibindo três peixes. «A maioria sabe a resposta e consegue distiguir o lúcio perca da carpa e do bagre. Isso revela que alguns miúdos têm o hábito de comer estes peixes em casa. Aliás, alguns é como se tivessem trazido a casa para dentro da escola. Mas mesmo os que desconheciam estão a dizer que é bom», congratula-se o chefe.


«Faz todo o sentido que, à beira da Alqueva, as escolas possam consumir peixe do rio»

   O presidente da Câmara do Alandroal, João Maria Grilo, não se mostra surpreendido com a reacção dos alunos à prova de peixe: «Alguns conhecem e estão habituados a comer. Mas temos os que desconhecem completamente e têm alguma resistência a provar. Depois, quando comem, até gostam. É isto que temos de aprofundar», refere o autarca, admitindo ser necessário «acabar com alguns estereótipos em relação ao peixe e torná-lo mais atractivo».


   Sobre o futuro? «Com o devido enquadramento e com o tempo necessário, podemos vir a ter refeições de peixe do rio, em que o douradinho e o rissol desaparecem, porque vêm de longe e têm uma pegada ecológica muito maior. Nós temos aqui recursos naturais de qualidade, que fazem parte da história, da cultura e da vivência destas crianças e dos pais.»


   Contudo, para levar o peixe do rio com maior frequência às escolas, há um processo que é preciso ultrapassar para se obter «luz verde» do Ministério da Educação. «O peixe tem que estar certificado e devidamente tratado, mas é esse caminho que temos de abrir. «Faz todo o sentido que, à beira de Alqueva, as escolas possam consumir peixe do rio. Temos que alterar esse paradigma, que passa por envolver as autoridades competentes no processo, facilitando o consumo local», resume o autarca.
 

Artigos Relacionados

« Voltar