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2023-03-30

Quando o forno comunitário era uma espécie de Facebook do tempo dos avós

 
José Capucho vai aquecendo o forno comunitário das Casas Novas dos Mares à boleia dos troncos de lenha de azinho. Qual será, mais ou menos, a temperatura ideal para cozer os folares e as broinhas que hão-de ir ao lume dentro de uns minutos? «Isso não sei. Mas sei, por experiência, quando o forno está no ponto. Este não trabalha há mais de 20 anos. É preciso ter mais um bocadinho de paciência», justificava. A massa já levedou no interior do alguidar e os «pasteleiros» estão a chegar à aldeia para ajudarem a recuperar tradições da Páscoa pelo concelho do Alandroal
 
TEXTO l Roberto Dores
 
   Antes dos alunos do 1º ciclo da Escola Básica de Pias chegarem às Casas Novas dos Mares, já meia dúzia de populares recordavam, com saudade, histórias à volta do forno comunitário. «Foi o tio Zé Recto que o fez», garantia a moradora que vive paredes-meias com o forno. «Qualquer pessoa podia vir aqui cozer pão, bolos ou fazer assados, desde que marcasse a sua vez. Mas acabava por se juntar cá muita gente», relembra.

   
   Durante décadas, o forno comunitário funcionou também como ponto de encontro lá na terra. Um autêntico centro de convívio  a céu aberto. «Era o Facebook daquele tempo», ironizavam os moradores. «Falava-se do que se passava na aldeia, das boas e más notícias e todos os que queriam participavam nas conversas. Chegavam a estar aqui dez ou mais pessoas a falarem horas a fio», contam-nos, enquanto José Capucho não perde o lume de vista e vai lançando umas pitadas de farinha lá para o fundo. 

   Desta vez ainda queimou, mas dez minutos depois já não queima. Vai antes torrando  lentamente. «Isto quer dizer que a temperatura está no ponto», assume, enquanto pega numa cana com mais de dois metros e coloca uma toalha molhada numa extremidade para limpar a base do forno. 

   As brasas são empurradas para uma lateral e entram os tabuleiros repletos de folares, que até aqui foram saindo das mãos das crianças, com a ajuda dos professores, entenda-se. Uma tampa de latão fecha, por assim dizer, a porta, mas é mais do que suficiente para manter a temperatura.
 

   «É uma forma de tentarmos manter as tradições. Nesta altura da Páscoa faziam-se sempre os folares e alguns doces típicos. É o que estamos aqui a fazer no forno a lenha», justifica a professora Célia Paiva, quando os folares já davam entrada para a cozedura e os alunos iniciavam a confecção das broinhas de azeite. Mais gulosas, por sinal. Ou o processo não começasse logo com as gemadas.

   Joaquim Boieiro, presidente da Junta de Santiago Maior, garantia que se está a assistir a «cultura e tradição», recordando que na Aldeia da Venda também já teve lugar uma iniciativa do género. «Era assim que se faziam os bolos antigamente e nós queremos mostrar isso às novas gerações», sublinha o autarca.


   Já cheira bem a bolos no ar das Casas Novas. Passaram cerca de 20 minutos desde que os folares entraram no forno, empurrados e arrumados com uma pá de madeira, suportada por um extenso cabo. «Estão prontos. Cuidado que os tabuleiros, estão muito quentes», avisam as moradoras que foram chegando para dar uma ajuda. 

   «Também vimos matar saudades daqueles tempos. Isto era lindo na Páscoa», admitia uma vizinha, à medida que os folares iam sendo depositados num alguidar ainda mornos e as broinhas tomavam forma para também darem entrada rumo à cozedura.


   A Câmara do Alandroal não faltou a esta chamada. Escutemos o vereador João Balsante: «É muito importante conseguirmos documentar e manter estas tradições, mostrando às crianças o modo de vida dos avós e das pessoas mais antigas», referia, destacando o modo de vida em comunidade. 


   «Por isso, existiam por aqui mais de dez fornos comunitários. É importante que estes miúdos percebam o que é estar juntos, trabalhar juntos e partilharem aquilo que são os conhecimentos que os mais antigos lhes trazem», acrescentava, aplaudindo a adesão da escola a este projecto «para que os hábitos não se percam», concluía.
 

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