Trabalhou anos a fio à sombra de uma alfarrobeira em Moncarapacho (Olhão). Conquistou a pulso o rótulo de «último latoeiro do Algarve» e nunca apareceu outro a dizer o contrário. Mas quis o destino que recentemente João Oliveira se mudasse de malas e bagagens para o Alentejo. Com a «sua» Clementina, companheira de toda a vida. Ele tem 86 anos. A mulher 78. Instalaram-se na Esperança, no concelho de Arronches. «Adoramos isto», confessa o casal
TEXTO | Roberto Dores
«Enquanto puder cá continuo com as minhas latas. Nasci entre as latas e já não sei viver sem elas», diz João Oliveira entre sorrisos, assumindo estar «cada vez mais convencido» que a mudança para o Alentejo foi um passo certo, independentemente da idade que traz em cima. «Encontrámos um local calmo para viver, onde todos se conhecem, gostam de nós e estão sempre prontos a ajudar. Era disso que já estávamos a precisar», conta João Oliveira, perante a aprovação de Clementina Maldonado. «É uma terra onde andamos à vontade. Isso tem muito valor para nós», enfatiza.
É pela freguesia da Esperança que o latoeiro continua a deitar mãos à arte que herdou do pai e do avô. «Nunca fui à escola, porque comecei nas latas logo aos oito anos. Não aprendi a ler, nem a escrever. Tinha pena, mas ia fazer o quê?», diz resignado este natural de Vila Nova de São Bento, que seria baptizado em Pias (ambas as localidades de Serpa), tendo vivido ainda em Barrancos, antes de rumar para o Algarve, onde passou 40 anos.
As suas mãos ainda transformam a folha galvanizada em candeeiros a petróleo, caiadores, baldes, alguidares, funis, tachos, cântaros, pás, alcatruzes e até cata-ventos. «Faço do tamanho que quiserem», revela, para lamentar logo a seguir que a sua actividade esteja a caminhar a passos largos para a extinção.
Clementina Maldonado e João Oliveira optaram pela «tranquilidade» do Alentejo, mas continuam a puxar pela arte de uma vida.
«Desde que apareceu o plástico e as lojas de chineses, isto deixou de ter interesse como negócio. Dantes, quando as pessoas trabalhavam no campo, vendia-se tudo, mas os compradores desapareceram e mais ninguém quis aprender a mexer nisto. Nem os meus filhos», relata, alertando para a agravante do preço da zinco estar cada vez mais alto e ajudar a desincentivar.
Aliás, foi quando o plástico passou a substituir o zinco que o casal accionou o «alerta máximo». Já tinha quatro filhos e vivia em Barrancos, onde ainda chegou a transportar loiça entre Espanha e Portugal. Nem sempre as viagens corriam bem nestas vidas de fronteiras, devido à presença dos guardas-fiscais que apreendiam os artigos.
Foi então que optaram pelo Algarve, onde viriam a trabalhar no campo, como caseiros de uma propriedade agrícola em Olhão, durante duas décadas. Ainda valeu a pena Clementina ter ido aprender a ler aos 30 anos para tirar a carta de condução. Passou à terceira.
Primeiro seria a motorista da herdade, mas mais tarde foi a motorista do próprio marido. «Era ela que me levava às feiras para fazermos o nosso negócio», conta João Oliveira, que, não há muito tempo, foi obrigado a casar pela própria mulher. O latoeiro nunca tinha pensado no assunto, mas, ao fim de um relacionamento de quase 50 anos, Clementina exigiu a formalização.